Nascida em Rio Claro, no interior do estado de São Paulo, em 1874, Floriza Barboza Ferraz fazia parte de uma tradicional família da elite rural paulista. Até o início da adolescência, teve ao lado dos treze irmãos uma vida idílica em meio à natureza, na fazenda do “Pitanga”, propriedade dos pais ainda mantida pelo trabalho escravo. Com a Abolição, contudo, o pai de Floriza não se adaptou às novas relações de trabalho e vendeu a propriedade para viver com a família em Piracicaba.
Num primeiro momento, a mudança não significou muito para a adolescente, que tinha planos de tornar-se freira. Aos dezenove anos, no entanto, por insistência da família, casou-se por arranjo com Antônio Silveira Corrêa, cunhado de um de seus irmãos. O matrimônio foi uma ruptura radical na vida a que estava acostumada. Três anos mais tarde, Floriza e o marido deixaram o conforto da cidade e embarcaram em um vapor da Companhia Fluvial de Navegação, numa viagem longa e difícil rumo ao então inóspito Oeste paulista. Levavam consigo os dois primeiros filhos (um tinha menos de dois meses e outro, pouco mais de um ano) e uma “menina como pajem”. A missão do casal era plantar café na terça parte que lhes cabia de uma propriedade comprada pelo sogro de Floriza.
Floriza descreve o lento e árduo trabalho de constituição de sua fazenda do Engenho, no município de Lençóis Paulista — então praticamente uma terra de ninguém —, processo do qual participou ativamente. Com riqueza de detalhes e numa linguagem simples e direta, Floriza relata as dificuldades do desbravamento daquela região na virada do século XIX para o XX, com escassez de médicos e ameaças constantes de incêndios, bandoleiros, cobras venenosas e saúvas; a convivência com as famílias de colonos italianos e espanhóis; o nascimento dos filhos, em casa, em condições muito precárias; a luta, até mesmo física, para manter o lugar social de sua família de origem.
Escritas em 1947, aos 73 anos, como simples remédio “para desabafar o coração”, sem nenhuma intenção de publicação, estas Páginas de recordações revelam-se um documento histórico ímpar ao registrar, entre outros aspectos, a importância do trabalho feminino na implantação das fazendas de café no sertão paulista. Uma prova de como, no fio do tempo, todo registro particular se torna parte da memória coletiva de um país.
Memórias
Nascida em Rio Claro, no interior do estado de São Paulo, em 1874, Floriza Barboza Ferraz fazia parte de uma tradicional família da elite rural paulista. Até o início da adolescência, teve ao lado dos treze irmãos uma vida idílica em meio à natureza, na fazenda do “Pitanga”, propriedade dos pais ainda mantida pelo trabalho escravo. Com a Abolição, contudo, o pai de Floriza não se adaptou às novas relações de trabalho e vendeu a propriedade para viver com a família em Piracicaba.
Num primeiro momento, a mudança não significou muito para a adolescente, que tinha planos de tornar-se freira. Aos dezenove anos, no entanto, por insistência da família, casou-se por arranjo com Antônio Silveira Corrêa, cunhado de um de seus irmãos. O matrimônio foi uma ruptura radical na vida a que estava acostumada. Três anos mais tarde, Floriza e o marido deixaram o conforto da cidade e embarcaram em um vapor da Companhia Fluvial de Navegação, numa viagem longa e difícil rumo ao então inóspito Oeste paulista. Levavam consigo os dois primeiros filhos (um tinha menos de dois meses e outro, pouco mais de um ano) e uma “menina como pajem”. A missão do casal era plantar café na terça parte que lhes cabia de uma propriedade comprada pelo sogro de Floriza.
Floriza descreve o lento e árduo trabalho de constituição de sua fazenda do Engenho, no município de Lençóis Paulista — então praticamente uma terra de ninguém —, processo do qual participou ativamente. Com riqueza de detalhes e numa linguagem simples e direta, Floriza relata as dificuldades do desbravamento daquela região na virada do século XIX para o XX, com escassez de médicos e ameaças constantes de incêndios, bandoleiros, cobras venenosas e saúvas; a convivência com as famílias de colonos italianos e espanhóis; o nascimento dos filhos, em casa, em condições muito precárias; a luta, até mesmo física, para manter o lugar social de sua família de origem.
Escritas em 1947, aos 73 anos, como simples remédio “para desabafar o coração”, sem nenhuma intenção de publicação, estas Páginas de recordações revelam-se um documento histórico ímpar ao registrar, entre outros aspectos, a importância do trabalho feminino na implantação das fazendas de café no sertão paulista. Uma prova de como, no fio do tempo, todo registro particular se torna parte da memória coletiva de um país.