É possível haver poesia sem palavras? Pode haver poesia na imagem? Poetas como Pierre Reverdy e Federico García Lorca (para citar dois exemplos e não se estender em exaustivo paideuma de fanopeias) professavam uma poesia com palavras e imagens-feitas-de-palavras. Mas há uma modalidade de poesia, dentro de um vasto campo chamado “poesia experimental”, que propõe poemas com palavras (signos verbais) e imagens (signos visuais) ou poemas apenas com imagens — é a tal da poesia visual.
Como a dimensão de uma experiência, a poesia experimental pode multiplicar-se em poesia intermedia, poesia intersemiótica, entre outras denominações, que desafiam a insuficiência do termo “poesia visual”, em função de valores semânticos, sintáticos e (por que não?) pragmáticos. Este livro — com um recorte latino-americano pendular e profícuo entre poetas do Brasil e da Argentina — apresenta a poesia visual impressa. Se contemplados seu aspecto verbivocovisual ou vídeocinético, não seria um livro, mas um sítio.
As poéticas de vanguarda instauraram uma espécie de cisma do “Oriente ao oriente do Oriente” nos arraiais literários, ao detonarem polêmica e ruptura com as convenções e tradições clássicas (e até modernas) do verso. A poesia visual opera nas zonas de fronteiras, cios e balbucios entre interstícios, nos limites entre o verbal e o visual — tensão de palavra e imagem. Na torsão da linguagem, o figural em configurações de fulgurações, escadas ou hélices a compor constelações de decifrações — um código torse.
Poemas visuais são quase que como enigmas em efígies ou como claros áporos, propositivos de uma contemplação ativa. Da comunicação imediata à afasia mediada; uma recusa à fácil compreensão, arte da fuga. A função do leitor / espectador reside nas heterogêneas escolhas dos sentidos. Põe-se a questão da legibilidade. A lavra da palavra; o fulgor da fi gura. O poema visual demanda a exigência de uma chave léxica? O poema visual reinvindica a chancela de sua ontologia? Crê no que se vê, ou descria. Pontos cegos.
O poema pode ser uma imagem. Poesia é feita de imagens... verbais. Embora haja poesia visual sem palavras, talvez a poesia visual que melhor honre o termo (e escape da armadilha da arte plástica) seja aquela que se retroalimenta da tensão entre palavra (verbal) e imagem (visual). Aquela em que as palavras dançam entre os signos visuais, uma variação da logopeia. E mesmo que sem palavras, a imagem é uma ignição para um logos. Quando as palavras se imaginam (i.e.: tornam-se imagem). Quando as palavras se visualizam em outros grafos (sarrafos de logogrifos?).
Na poesia visual talvez haja a aspiração a um esperanto (não messiânico) da linguagem. Letras ou objetos (ou até mesmo insetos ou outros bichos) compõem um alfabeto de bricolagem duchampiana, mallarmaicos lances de dadá no tabuleiro de arcos voltaicos que vão das inscrições rupestres aos pixels digitais. Design e desígnio de linguagem — são enigmas verbais e vertebrais à la Magritte (atenção: isto não é um poema). Enfi m, coisas de poeta, afinal.
O que foi dito acima motivou-se pelo quê foi lido neste livro e veio a ecoar (e escoar) nesta orelha. Que esta instigação auricular possa reverberar curiosidade e aventuras sensoriais e intelectuais no leitor. Como essas digressões ao pé do ouvido foram sopradas e auscultadas pela leitura da compilação, demonstram-se o valor e o lavor notáveis da antologia.
E como não poderia deixar de ser (ou como justamente deveria ser), congenial ao tema do livro e em plano de isomorfismo fundo-forma, há que se mencionar o esmero e o capricho do projeto gráfi co desta edição. Poesia visual, visiva, à vista.
Carlos Adriano
FICHA TÉCNICA
Gênero Poesias
Páginas 232
Formato 222 x 228 mm
ISBN 978-65-86042-75-7
uma antologia
É possível haver poesia sem palavras? Pode haver poesia na imagem? Poetas como Pierre Reverdy e Federico García Lorca (para citar dois exemplos e não se estender em exaustivo paideuma de fanopeias) professavam uma poesia com palavras e imagens-feitas-de-palavras. Mas há uma modalidade de poesia, dentro de um vasto campo chamado “poesia experimental”, que propõe poemas com palavras (signos verbais) e imagens (signos visuais) ou poemas apenas com imagens — é a tal da poesia visual.
Como a dimensão de uma experiência, a poesia experimental pode multiplicar-se em poesia intermedia, poesia intersemiótica, entre outras denominações, que desafiam a insuficiência do termo “poesia visual”, em função de valores semânticos, sintáticos e (por que não?) pragmáticos. Este livro — com um recorte latino-americano pendular e profícuo entre poetas do Brasil e da Argentina — apresenta a poesia visual impressa. Se contemplados seu aspecto verbivocovisual ou vídeocinético, não seria um livro, mas um sítio.
As poéticas de vanguarda instauraram uma espécie de cisma do “Oriente ao oriente do Oriente” nos arraiais literários, ao detonarem polêmica e ruptura com as convenções e tradições clássicas (e até modernas) do verso. A poesia visual opera nas zonas de fronteiras, cios e balbucios entre interstícios, nos limites entre o verbal e o visual — tensão de palavra e imagem. Na torsão da linguagem, o figural em configurações de fulgurações, escadas ou hélices a compor constelações de decifrações — um código torse.
Poemas visuais são quase que como enigmas em efígies ou como claros áporos, propositivos de uma contemplação ativa. Da comunicação imediata à afasia mediada; uma recusa à fácil compreensão, arte da fuga. A função do leitor / espectador reside nas heterogêneas escolhas dos sentidos. Põe-se a questão da legibilidade. A lavra da palavra; o fulgor da fi gura. O poema visual demanda a exigência de uma chave léxica? O poema visual reinvindica a chancela de sua ontologia? Crê no que se vê, ou descria. Pontos cegos.
O poema pode ser uma imagem. Poesia é feita de imagens... verbais. Embora haja poesia visual sem palavras, talvez a poesia visual que melhor honre o termo (e escape da armadilha da arte plástica) seja aquela que se retroalimenta da tensão entre palavra (verbal) e imagem (visual). Aquela em que as palavras dançam entre os signos visuais, uma variação da logopeia. E mesmo que sem palavras, a imagem é uma ignição para um logos. Quando as palavras se imaginam (i.e.: tornam-se imagem). Quando as palavras se visualizam em outros grafos (sarrafos de logogrifos?).
Na poesia visual talvez haja a aspiração a um esperanto (não messiânico) da linguagem. Letras ou objetos (ou até mesmo insetos ou outros bichos) compõem um alfabeto de bricolagem duchampiana, mallarmaicos lances de dadá no tabuleiro de arcos voltaicos que vão das inscrições rupestres aos pixels digitais. Design e desígnio de linguagem — são enigmas verbais e vertebrais à la Magritte (atenção: isto não é um poema). Enfi m, coisas de poeta, afinal.
O que foi dito acima motivou-se pelo quê foi lido neste livro e veio a ecoar (e escoar) nesta orelha. Que esta instigação auricular possa reverberar curiosidade e aventuras sensoriais e intelectuais no leitor. Como essas digressões ao pé do ouvido foram sopradas e auscultadas pela leitura da compilação, demonstram-se o valor e o lavor notáveis da antologia.
E como não poderia deixar de ser (ou como justamente deveria ser), congenial ao tema do livro e em plano de isomorfismo fundo-forma, há que se mencionar o esmero e o capricho do projeto gráfi co desta edição. Poesia visual, visiva, à vista.
Carlos Adriano
FICHA TÉCNICA
Gênero Poesias
Páginas 232
Formato 222 x 228 mm
ISBN 978-65-86042-75-7